Páginas

sábado, 11 de abril de 2015

A dignidade humana e a Imago Dei - a imagem de Deus


"Com efeito, para que não desanimemos em fazer o bem [Gl 6.9], o que de outra forma necessariamente haveria de acontecer imediatamente, convém adicionar esse outro ponto que o Apóstolo menciona: que a caridade é paciente, não se irrita [1Co 13.4, 5].

O Senhor preceitua que se deve fazer o bem a todos em geral, os quais em grande parte são muitíssimo indignos, se forem estimados em seu próprio mérito. Mas aqui a Escritura nos apresenta uma excelente razão, quando ensina que não se deve atentar para o que os homens mereçam em si próprios, pelo contrário, deve-se levar em conta a imagem de Deus em todos, à qual devemos toda honra e amor.

Entretanto, essa mesma imagem deve ser mais diligentemente observada nos domésticos da fé [Gl 6.10], até onde foi ela renovada e restaurada pelo Espirito de Cristo. Portanto, não podes negar aos homens que agora se acham diante de ti carecendo de tua ajuda, não tens motivo algum para que te furtes a assisti-los.

Talvez digas que não passa de um estranho: o Senhor, no entanto, imprimiu-lhe um traço que para ti deve ser o de um membro da família, em razão do qual veda que desprezes tua própria carne [Is 58.7]; talvez digas ser ele desprezível e sem valor: o Senhor, no entanto, mostra que ele é um a quem dignou da honra de sua imagem; talvez digas que não estás em dívida ou obrigação para com ele: Deus, no entanto, como que o subestabelece em seu lugar, em relação a quem haverás de reconhecer tantos e tão grandes benefícios, com os quais ele o mantém sob obrigação para com ele; talvez digas que ele é indigno de que por sua causa faças sequer o mínimo esforço; digna, no entanto, é a imagem de Deus, pela qual ele te é recomendado para que te ofereças, a ti mesmo e a tudo o que tens.

Ora, ainda quando não só não mereça nada de bom, mas até mesmo te haja provocado com injustiças e malefícios, na verdade esta não é um motivo justo por que o deixes de abraçar com amor e de cumulá-lo com os benefícios de tua estima [Mt 6.14; 18.35; Lc 17.3, 4]. Talvez digas: “No que me diz respeito, o que ele merece é muito diferente.” Mas, o que o Senhor realmente merece, quando ordena 68 LIVRO III que sejas perdoado de tudo quanto o ofendeste, e que tudo lhe seja imputado? Com efeito, por esta única via se chega a isto: que é absolutamente contrário à natureza humana, não só difícil, a saber, amarmos aqueles que nutrem ódio por nós, recompensando-lhes os males com benefícios, revidando com bênçãos aos insultos.

Que nos lembremos de que não se deve atentar para a maldade dos homens; ao contrário, deve-se ter em mira a imagem de Deus neles, a qual, cancelados e apagados seus delitos, nos alicia a amá-los e abraçá-los com sua beleza e dignidade."

João Calvino - Institutas III - capítulo VII - 3

Nenhum comentário: