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terça-feira, 17 de setembro de 2013

A Educação e o poder de um olhar

Há um tempo venho percebendo um problema naquela frase tão comum nas nossas conversas de pais e educadores: "No meu tempo as crianças não eram assim. Só um olhar do meu pai era o suficiente para a gente ficar quieto".

No meu tempo... Nós gostamos de pensar que no nosso tempo tudo era diferente e que as coisas - ou a maioria delas - funcionavam como deveria ser. O que nem sempre é verdade, claro. Nós temos uma forte tendência de lembrar do passado em tons mais dourados do que ele de fato foi - ou, em outro extremo, acreditar que aquilo que funcionava antes encontra-se ultrapassado demais para os dias de hoje.

Mas a questão que me fez pensar foi: será que as crianças realmente mudaram? 

Resolvi fazer uma experiência com meus alunos. Não só para descobrir essa resposta, mas porque chegou um momento em que eu me cansei de falar cada vez mais alto e não ser ouvida. Decidi parar de falar e só olhar.

No início a situação não mudou muito. Naqueles momentos de bagunça generalizada não fazia muita diferença se eu estava escrevendo nas agendas ou olhando para eles. Então eu entendi que precisava mudar o olhar. Percebi que só olhar não basta, porque olhamos uns para os outros o tempo todo. É preciso assumir uma postura que demonstre o que se quer comunicar com o olhar.

E com essa mudança, para minha surpresa, comecei a perceber duas reações. Uma eram as vozes que começavam a ecoar aqui e ali:  "a professora quer falar!!". A segunda é que conforme as conversas iam parando e cada um voltava ao seu lugar, aqueles que ainda estavam falando percebiam que eu estava olhando para eles e se encolhiam dizendo "desculpa, prô".

Impressionante! Sem gritar, sem fazer ameaças, sem ficar rouca, sem "perder a linha" - porque cada vez que alguém precisa gritar para ser ouvido, um pouco de sua autoridade se foi.

Foi quando eu entendi que, de fato, as crianças não mudaram. Elas não deixaram de entender o significado do olhar e de saber como responder a ele. Fomos nós, os educadores, que paramos de olhar. Fomos nós que começamos a falar demais. Fomos nós que diminuímos o nível exigido de obediência e respeito porque abrimos mão da autoridade que nos foi conferida e que é absolutamente necessária para que o ensino e a educação aconteçam.

Talvez por estar muito ocupados com milhares atividades e impacientes para resolver tantos problemas... É muito mais fácil gritar "Juquinha, volta já para o seu lugar!!" - enquanto procuro aquela atividade que estava aqui agora mesmo e acabou de sumir - do que parar tudo e gastar alguns minutos olhando para ele. É muito mais prático continuar lavando a louça do que parar alguns minutos para olhar para o filho enquanto ele conta sua história. Porque todos nós - pais e professores - estamos sempre muito ocupados.

Mas o olhar faz uma grande diferença. Quando eu olho com atenção para os meus alunos eu não transmito apenas a mensagem "façam silêncio porque eu quero falar". O que eles estão lendo, nas entrelinhas, é: "Eu estou olhando para você. Eu estou observando o que você está fazendo e dizendo. Eu sou sua professora. Eu me importo com você e por isso quero sua atenção."

Não são apenas os apaixonados e os grandes amigos que se comunicam pelo olhar, mas todos aqueles que se conhecem e têm alguma cumplicidade, uma história em comum. E ainda hoje eu me espanto ao perceber como meus alunos aprendem a conhecer meus olhares assim como eu aprendo a conhecer os olhar de cada um deles. 

Me espanto quando estou lá na frente, no anfiteatro, e um olhar é suficiente para que um aluno na última fileira entenda que precisa parar de conversar ou voltar para o seu lugar. Me espanto quando durante a aula surge algum assunto que faz lembrar um segredo que alguém me contou e vejo uns olhinhos risonhos que me dizem "lembra o que eu disse?"

Ainda há situações em que eu me perco, esqueço e falo demais. Mas hoje eu olho muito mais para os meus alunos e eles para mim. E hoje eu sei que as crianças não mudaram. Elas continuam precisando ser ensinadas. E somos nós que precisamos ensinar.